O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) continuou aplicando o voto de qualidade nos seus julgamentos mesmo com a publicação de lei contra essa prática. Desde que as sessões foram retomadas, em junho, tem sido proferidas decisões pelo critério antigo de desempate, inclusive da Câmara Superior, a última instância administrativa.
O Carf entende que a nova norma não abarca todos os tipos de processos analisados pelos conselheiros, o que acabou sendo endossado pelo Ministério da Economia. O órgão publicou portaria na última sexta-feira, 02/07, que cria exceções para a lei que colocou fim ao voto de qualidade, aprovada em abril pelo Congresso.
O chamado voto de qualidade é ruim para o contribuinte porque apesar de o tribunal administrativo ser um órgão paritário — com representantes de ambos os lados — cabe ao presidente da turma julgadora, representante da Fazenda, desempatar os julgamentos.
Com a Lei nº 13.988, do mês de abril, essa lógica se inverteu. Um novo artigo, o 19-E, foi incluído na Lei nº 10.522, de 2002, prevendo que em caso de empate o contribuinte sairia vencedor. A redação dada ao 19-E, no entanto, acabou dando margem para interpretações diferentes.
O dispositivo libera do voto de qualidade o “processo administrativo por determinação e exigência de crédito tributário”. O Carf, nos seus julgamentos, tem dito que o texto envolveria apenas uma parcela dos processos julgados: os decorrentes de autos de infração.
Para o Conselho, o chamado voto de qualidade ainda pode ser aplicado nos julgamentos de embargos e outros de natureza processual. São casos em que os julgadores avaliam se o recurso apresentado pelo contribuinte está de acordo com o regimento para, a partir de então, votar o mérito.
O mais grave, na visão dos advogados, no entanto, é que o voto de qualidade também está sendo mantido para as discussões relacionadas à compensação (pagamento de tributo com crédito fiscal) e pedidos de restituição e ressarcimento de valores pagos a mais pelas empresas.
A Portaria nº 260, publicada pelo Ministério da Economia, teria sido uma resposta à consulta feita pelo Carf. A norma referenda o entendimento de que o voto de qualidade só deixou de ser aplicado aos processos decorrentes de autos de infração. Diz ainda que a nova lei cabe apenas para julgamentos realizados a partir de 14 de abril, a data de publicação do artigo 19-E.
E vai além. Segundo consta na portaria, o voto de qualidade continua valendo para os julgamentos que envolverem o responsável solidário — o diretor da empresa, por exemplo.
Se houver empate no julgamento do auto de infração que foi aplicado à empresa, vale a nova lei, de acordo com o Ministério da Economia. Ou seja, o voto de qualidade é afastado e o contribuinte vencerá a disputa. A cobrança, nesta hipótese, deixará de existir tanto para a companhia como para o responsável solidário.
Mas se o auto de infração contra a empresa for mantido pela turma por maioria de votos ou unanimidade e houver um empate entre os julgadores sobre a responsabilização do sócio, a nova lei não será aplicada. Valerá a regra antiga, portanto, em relação ao responsável solidário pelo tributo.
O Ministério da Economia, por meio de nota, afirma que o artigo 19-E “gerava inúmeros questionamentos e, portanto, fazia-se necessário uma regulamentação”.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) concorda. Moisés de Sousa Carvalho Pereira, que coordena a atuação do órgão no Carf, afirma que a redação do 19-E “não é de aplicação tão óbvia” e que havia necessidade de regulamentação, especialmente por existir dúvidas entre os conselheiros.
Ele entende que o artigo 19-E criou uma exceção para a aplicação do voto de qualidade. Não revogou expressa ou tacitamente. “Trata de uma categoria de processos. Se o legislador quisesse revogar, teria dito ou, mais simples, teria revogado o dispositivo que estabelece o voto de qualidade. Mas não, manteve o artigo e criou uma regra para usar de forma alternativa. O artigo 19-E contempla os processos mais relevantes do Carf e isso está mantido na portaria.”
O raciocínio é o mesmo, ele diz, sobre a exclusão do responsável solidário da norma. O 19-E fala em contribuinte e não sujeito passivo. “A lei tributária, sempre que quer atingir os dois, usa a expressão sujeito passivo. O que é publicado em lei tem que ser interpretado tecnicamente.”
Fonte: Valor Econômico
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