Na árdua tarefa de gerenciar fluxo de caixa negativo, inúmeras empresas negociam suspender, temporariamente, o pagamento de dívidas e juros compensatórios; liberar garantias, em especial as representadas por recebíveis; remir saldos devedores; dispensar a remuneração de debêntures etc.
O governo federal adotou medidas monetárias, financeiras, creditícias e fiscais com a finalidade de minimizar, durante a pandemia, os efeitos da covid-19 sobre o caixa das empresas em atividade no país. Esse socorro do governo e as composições com os credores são providências paliativas, emergenciais, por isso é imperioso criar mecanismos que propiciem a reestruturação preventiva do passivo de empresas viáveis em situação de pré-insolvência, por meio de soluções contratuais, extrajudiciais e pré-concursais, conforme “Recomendação da Comissão Europeia nº 2014/135/EU”.
A recuperação extrajudicial não atinge esse ambicioso objetivo e, na Lei nº 11.101 de 2005 (LRFE), não há incentivo (nem proteção) capaz de estimular os agentes financeiros a prover a falta de dinheiro da empresa em estado de crise econômica, porquanto exclusivamente os créditos decorrentes de contratos de mútuo feneratício e de financiamento, celebrados durante o transcurso da recuperação, têm prioridade no caso de falência da devedora.
Para evitar os males de longo e dispendioso processo judicial e dos seus consectários lógicos (revisão, para baixo, do rating, trava bancária etc), a LRFE deve ser alterada, por meio de medida provisória, com o escopo de assegurar ao credor uma garantia primária (a priming lien), que mitigue o risco de crédito no caso de insucesso do negócio, em virtude de as empresas estarem muito alavancadas, pois a relação endividamento líquido/capital próprio é de 80%.
Destarte, os créditos, oriundos de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, assinados antes da recuperação judicial, formariam uma nova categoria, distinta da dos créditos concursais ou falimentares e da dos créditos extraconcursais.
Quanto à classificação, seriam créditos com superprioridade real (DIP-Financing super priority lien), denominação inspirada no parágrafo 364 (d) (1) (B) do US Bankruptcy Code (Código de Falências dos EUA), cumprindo notar que a superprioridade poderá reduzir as expectativas dos demais credores, inclusive, ressalte-se, dos extraconcursais. Mas “dos males o menor”, isto é, ou a preservação da empresa ou a inexorável bancarrota.
Quanto aos requisitos da contratação, seria baseada, entre outros (due diligence), em um plano de viabilidade nos moldes do artigo 60 da LRFE, elaborado pelos administradores e auditado por empresa especializada com reconhecida idoneidade moral, técnica e financeira e prestígio no mercado.
Quanto à época de formação, os decorrentes de contratos firmados até 180 dias antes do pedido de recuperação judicial.
Quanto à ordem de pagamento, teriam prioridade absoluta e incontrastável sobre os bens do ativo do devedor-falido, precedendo a todos os demais, anteriores ou posteriores, inclusive aos créditos fiscais, trabalhistas, decorrentes de indenizações por acidentes de trabalho e aos discriminados nos artigos 122, 150, 151, 193 e 194 da LFRE.
Quanto ao tempo de pagamento, gozariam de privilégio de caixa (cash flow privilege), assegurado aos seus titulares o recebimento das prestações na medida em que a empresa for produzindo receita. Se sobrevier a falência, o pagamento seria realizado com o saldo de caixa; na sua falta, com a imediata venda de bens tantos quantos bastem para liquidar o restante do débito.
Três fatos incontestáveis alicerçam esta sugestão: (1º) o crédito é a ponte entre a insuficiência de caixa e o ponto de equilíbrio financeiro da empresa – uma ponte sobre um abismo (a falência); (2º) a confiança é o valor que lastreia o crédito e gera credibilidade sem confiança e sem credibilidade, não há crédito; (3º) para restabelecer a confiança, a credibilidade e o crédito, é imprescindível eliminar o déficit de caixa da empresa.
Como fazê-lo? Com o aumento das vendas, redução dos custos, antecipação de recebíveis etc.
Mas devido à urgência, com aporte de “dinheiro novo”, que bancos e instituições financeiras só estarão dispostos a fornecer a uma empresa em crise em tempos sombrios se a lei lhes assegurar uma “garantia primária”, uma “superprioridade real”, na hipótese de quebra da devedora, não sendo demais relembrar, consoante lição do professor Bill Lazier da Stanford Graduate Scholl of Business: “As organizações não morrem devido à falta de lucros. Elas morrem de falta de caixa”.
Fonte: Valor Econômico
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